
Eu adoro química, não apenas por se tratar da matéria que estuda do que somos feitos e porquê funcionamos da maneira que funcionamos, mas porque nos permite ter insights excelentes sobre nós mesmos – além de nos fazer entender piadas como “células vão ao psicólogo porque tem Complexo de Golgi”.

Quando somos bebês nosso corpo é composto por 75% de água, uma banana também é composta por 75% de água, logo quando nascemos e durante nossos primeiros anos de vida somos 3/4 bananas. Geneticamente também não estamos tão longe assim dela.
Da sequência de DNA humano apenas cerca de 2% do nosso DNA é composto de genes que codificam proteínas. 10-20% do DNA é composto de elementos reguladores que controlam como os genes são ativados ou desativados, aparentemente não temos qualquer utilidade para os 80-90% restantes do DNA, parece que não codificam nada, basicamente eles se tratam de lixo. Se voltarmos nossa atenção para os genes que codificam proteínas temos 60% de similaridade com bananas também. Isso parece explicar tanta coisa, sobre tanta gente!
Aproximadamente 99,9% da informação genética do nosso DNA é comum a todos os outros seres humanos. O 0,01% restante é responsável por diferenças de cabelo, cor dos olhos e pele, altura, etc. Ao mesmo tempo que o DNA nos mostra porque somos únicos também nos mostra que, por exemplo, nós não evoluímos dos macacos: nós somos macacos!
É por isso que estamos catalogados no mesmo subgrupo biológico dos gorilas, orangotangos, bonobos e chimpanzés – compartilhamos 98.7% do mesmo sequenciamento genético dessas 2 últimas espécies de símios. Imagine que o que nos impede de viver pelados em árvores e de responder os comentários maldosos de nossos posts com saraivadas de cocô não são nossas leis e costumes, mas apenas 1.3% do material genético que nos forma.

E o mais legal é que não para por ai! Compartilhamos 90% do DNA de algumas raças de gato doméstico, 85% do DNA de camundongos, 80% do DNA de vacas, 61% do DNA de moscas de fruta.
Deixando a filosofia de lado, isso é importante porque mostra que, em se tratando de átomos e moléculas – e basicamente tudo o que existe é formado por eles – as menores diferenças causam ENORMES diferenças. E o whisky é um excelente exemplo disso.
Pensando bem é impressionante como é possível usar whisky para se explicar qualquer coisa!

Antes de qualquer coisa, vale lembrar que Whisky escocês é uma bebida regulamentada por leis que, entre outras coisas, deixam muito claro como ela deve ser produzida. Todas as diretrizes fazem parte da “Lei de aprovisionamento quanto à definição de whisky escocês e quanto à produção e venda de whisky; e propósitos relacionados” – carinhosamente abreviada como Lei do Whisky Escocês ou Scotch Whisky Act – de 1988.
Se você está pensando que 1988 é uma data bem recente para uma regulamentação de uma bebida que está por ai desde o século XIX prepare-se para se surpreender ainda mais: em 2009 foram criadas as Regulamentações do Whisky Escocês que revogaram a Lei do Whisky Escocês, se bem que na verdade elas mudaram algumas coisas aqui e outras ali, colocaram alguns acréscimos sobre regras para se rotular as garrafas e disseram que para um Single Malte escocês ser considerado um Single Malte escocês ele deve ser produzido e engarrafado na Escócia.
O que poderia se tornar uma leitura iluminada e empolgante para qualquer WhiskyGeek por horas nos interessa agora por definir as bases do que constitui um whisky escocês ou, melhor ainda, por dar a receita oficial para se fabricar whisky. O Regulamento 3 das Regulamentações do Whisky escocês de 2009 diz claramente que:
(1) Nestes regulamentos “Scotch Whisky” significa um whisky produzido na Escócia-
- (a) destilado em uma destilaria na Escócia de cevada maltada e água (para a qual apenas grãos integrais de outros cereais podem ser adicionados) todos os quais foram-
- I processado naquela destilaria em mosto;
- II convertido nessa destilaria em um substrato fermentável apenas por sistemas de enzimas endógenas (que são produzidas pelo próprio organismo dos grãos); e
- III fermentado naquela destilaria apenas pela adição de fermento;
- (b) que foi destilado com um teor alcoólico em volume inferior a 94,8%, de modo que o destilado tenha aroma e sabor derivados das matérias-primas utilizadas e o método de sua produção;
- (c) Amadurecido apenas em barris de carvalho com capacidade não superior a 700 litros;
- (d) que foi maturado apenas na Escócia;
- (e) que tenha sido maturado por um período não inferior a três anos;
- (f) que tenha sido maturado apenas em entreposto fiscal ou local autorizado;
- (g) que retém a cor, o aroma e o sabor derivados das matérias-primas utilizadas e o método de sua produção e maturação;
- (h) ao qual nenhuma substância tenha sido adicionada, ou ao qual nenhuma substância tenha sido adicionada, exceto-
- I água;
- II coloração de caramelo simples; ou
- III água e corante de caramelo simples; e
- (i) com graduação alcoólica mínima de 40% vol.
No dia a dia leis podem ser controladoras, abusivas, manipuladoras e tudo o mais que chateiam qualquer um, mas em alguns casos um pouco de excesso de controle não é ruim.

Com whisky isso é maravilhoso porque serve como um mapa extremamente detalhado do que podemos encontrar em cada gole e nos permite buscar em sua química o que o torna tão maravilhoso e como cada pequeno elemento contribui em sua complexidade.
1- Água mole e água dura, tanto bate até que… molha
Água, a responsável pela vida! Chega a ser poético whisky derivar seu nome – Água da Vida – desta substância. Desde a infância nos ensinam – doutrinam – sobre sua importância, em nossas primeiras aulas de biologia e química nos mostram como hidrogênio e oxigênio se unem para formar a boa e velha H2O. Quanto mais pura e cristalina mais benefícios nos traz. Água é saúde!
Mas e se eu dissesse que essa propaganda é falsa? Que você cresceu com uma mentira? Água é importante, claro, mas quanto à sua pureza, bem… Você sente sede porque seu corpo se desidrata, mas se desidratar não é apenas perder água e sim perder sais minerais! Se você passasse alguns dias bebendo galões e galões de H2O pura, você se sentiria estufado e continuaria com sede, louco né?
Isso acontece porque água potável não é a mesma coisa do que água pura – ou destilada – a água que bebemos de filtros ou de nascentes cristalinas de rios podem ser tudo, menos pura. Ela é repleta de micro-organismos e de minerais desequilibrados que são essenciais para a manutenção de processos bioquímicos do seu corpo.
Esses minerais são formados por íons – átomos ou moléculas com carga elétrica – as mais famosas delas são o cálcio, o magnésio, o fosfato e o potássio, que são chamados coletivamente de eletrólitos. O mundo está cheio de fontes naturais de eletrólitos, hospitais e supermercados são duas delas: nos primeiros encontramos grandes depósitos de soro – naturalmente apresentados em pencas de bolsas plásticas – e nos segundos vem em cachos de garrafas com nomes como Gatorade. Essas duas substâncias são campeãs em hidratar pessoas porque estão carregadas de íons.
(Vou fazer um parênteses rápido.
O Gatorade, inclusive, foi desenvolvido em 1956 por quatro médicos da Universidade da Flórida com o objetivo de matar a sede, ou seja de repor os minerais, de forma mais rápida e eficiente, para o time de futebol americano da universidade, o Florida Gators. O técnico do time andava tenso com o rendimento do time nos jogos que aconteciam durante o verão. A ideia da equipe médica era criar uma forma de hidratar melhor os jogadores que os deixasse mais dispostos com menos líquidos, para não terem que jogar com aquela sensação de ter batido três pratadas de feijoada.
Como a mistura original de água, sais e carboidratos tinha um gosto que tendia para o horrível com aromas desagradáveis e leves toques de horror, a misturaram com suco de limão. Foi um sucesso e de quebra bolaram um nome muito legal: Gators + Lemonade, limonada, e SHAZAM! O GatorAde foi criado!)
E o que Gatorade tem a ver com whisky? A não ser que as pessoas começassem a misturar as duas bebidas – o que provavelmente deixaria o SuperBowl muito mais interessante, na minha humilde opinião – aparentemente nada! Mas podemos usar a química que tornou o Gatorade tão eficiente para começar a entender a origem de uma das maiores discussões entre produtores, marketeiros e apreciadores do destilado: qual o impacto da água no sabor final do whisky engarrafado?
Vamos voltar aos íons. Eu disse anteriormente que os minerais da água são desequilibrados, isso porque suas cargas elétricas não são neutras – ou não seriam íons.
As partículas mais básicas da natureza, os átomos, buscam um equilíbrio elétrico. O mais simples deles, o átomo de hidrogênio, por exemplo, é formado por um núcleo positivo – um próton – e um elétron negativo que o circula. A tendência dos átomos é ter o mesmo número de prótons e elétrons, para tentar um pouco de equilíbrio em suas vidas, mas a vida não é tão simples assim. Diferentes elementos possuem diferentes quantidades de elétrons circulando ao redor do núcleo, como vimos o hidrogênio tem 1, o oxigênio possui 6. O objetivo de vida do hidrogênio é conseguir ter 2 elétrons em sua camada mais externa e a do oxigênio ter 8, assim eles compartilham alguns: dois átomos de hidrogênio compartilham seus elétrons com um átomo de oxigênio e voilà: uma molécula de água.
É claro que não é apenas chegar chegando, o ângulo de ligação entre os átomos contribui para a molécula final, o ângulo de ligação da água é de 104,45º em função da estrutura tetraédrica do oxigênio, se esse ângulo fosse de 180º entre as ligações, talvez ela não fosse um líquido à temperatura ambiente. Mas, por algum motivo que me escapa, as pessoas começam a, inexplicavelmente, achar esse tipo de explicação tediosa, chata, maçante e árida, por isso paro por aqui.
Se encher um container qualquer com água mineral e colocar duas placas de metal dentro, você pode brincar com os íons usando eletricidade, como um inquisidor espanhol! Os íons positivos serão atraídos para a placa carregada negativamente (o cátodo, dai serem chamados de cátions) e os íons negativos serão atraídos para a placa carregada positivamente (o ânodo, dai serem chamados de ânions).
Uma das melhores explicações sobre este assunto é o documentário de 1984, dirigido por Ivan Reitman, entitulado Ghostbusters, Os Caça-Fantasmas, onde um grupo de estudantes cria canhões de prótons para prender e armazenar fantasmas. Os pesquisadores do paranormal afirmam que para se manifestar e criar uma forma física observável, espíritos usam os elétrons do ambiente criando uma forma composta por cargas elétricas negativas.
A eletricidade que usamos, que sai da tomada, que sai de pilhas, que carrega nosso celular, que cai do céu na forma de relâmpagos, é formada por elétrons – eletricidade… elétron… elétrico… 🤔 – logo tem carga negativa. O que os caça-fantasmas fizeram foi inventar uma forma de “eletricidade” com carga positiva para atrair os espectros e aparições como um ímã e finalmente prendê-los em armadilhas. É por isso que os disparos “grudavam” nos fantasmas e conseguiam puxá-los para baixo, em direção da armadilha. Muito engenhoso, mas extremamente perigoso, ainda mais de cruzarem os raios acidentalmente, a não ser que pretendam explodir portais interdimensionais.

Como whisky é uma bebida sagrada, toda a água usada em sua fabricação tem que cair do céu, na forma de chuva – ou neve. O que acontece com a água da chuva, ou da neve derretida – antes de sua chegada à destilaria afeta sua química e, portanto, a singularidade do whisky resultante. A chuva pode terminar como um riacho ou rio, em um lago ou reservatório, pode ser encontrada brotando de rochas, em poços profundos ou rasos, ou como uma nascente no alto de uma encosta. Pode ainda virar neve e se acumular no topo de montanhas e ir derretendo lentamente no verão trazendo consigo tudo o que estiver em seu caminho.
Se ela cair em montanhas nuas feitas de rochas cristalinas, irá fluir rapidamente colina abaixo virando riachos. Essa água tem pouca chance de interagir com a rocha subjacente e geralmente tem um baixo conteúdo mineral. Ela se torna ácida.
Por outro lado, se a superfície onde cair for formada de camadas permeáveis, ou apresentarem muitas juntas e fraturas, a chuva se infiltrará na rocha e fluirá através dela, dissolvendo-a e aumentando o seu conteúdo mineral. Calcários e arenitos, por exemplo, produzem água rica em carbonato ou sulfato; essas águas serão neutras ou ligeiramente alcalinas.
Os íons mais frequentes encontrados na água são:
Cátions | Ânions |
---|---|
Sódio | Cloreto |
Cálcio | Sulfeto |
Magnésio | Hidrocarbonato |
E as combinações mais frequentes que resultam dessa viagem através das rochas são:
Camadas de pedras calcárias | Camadas de gipsita (gesso) | Lagos Salinos |
---|---|---|
Água carbonatada com hidrogênio | Água com Sulfatos | Água com Cloretos |
Sódio – cálcio – hidrogênio – carbonato | Sódio – Sulfato | Sódio – Cálcio – Cloreto |
cálcio – magnésio – hidrogênio – carbonato | Cálcio – Sulfato | Sódio – Cálcio – Magnésio – Cloreto |
É por isso que o gosto de água mineral costuma variar de totalmente neutra a levemente azeda ou salgada. Os íons do cloreto e do sódio se unem para formar sal de cozinha, se uma água mineral tem predominância desses elementos seu sabor tende ao salgado.
A concentração dos cátions de cálcio e magnésio – geralmente acompanhados dos ânions carbonato, bicarbonato, cloreto e/ou sulfeto – servem para classificar a água como mole ou dura.
Em concentrações acima de 150mg/L, água é classificada como dura. Teores entre 150 e 75mg/L, como moderadas e, abaixo de 75mg/L é chamada de água mole. Quando você cozinha algo na água dura faz com que o alimento endureça ao invés de amolecer, quando lava roupa com esse tipo de água, esses sais insolúveis precipitam e aderem ao tecido que está sendo lavado e o endurecem, daí a origem do nome.
Outro ponto importante é: água mole costuma ser ácida, água dura costuma ter o pH normal ou levemente alcalino.
Vamos então rever como o caminho que a chuva ou a neve fazem para chegar até as destilarias afetam a água que é usada para fazer o whisky.
Se a água cai em superfícies de rochas cristalinas ela vai correr pela superfície, quase não será absorvida – a não ser que ajam fraturas por onde ela possa ser absorvida para o subterrâneo – e formará lagos e rios. Essa água será mole e ácida. Como essa água vai correr pela superfície ela entrará em contato com outro tipo de matéria: a orgânica. Terra, madeira, vegetação, turfa, etc.
“Água mole, que atravessou turfa, passou por cima de granito”era, e até hoje costuma ser vista, como o melhor tipo de água para ser usada na destilação, mas menos de 20% das destilarias tem acesso a esse tipo de água. A maioria das destilarias de malte whisky, 46%, usam água de nascentes, 37% usam águas de rios – burns – e 17% usam águas de lagos – lochs.
Origem | Conteúdo de sais minerais | Conteúdo microbiológico | Impurezas | Consciestência do suprimento |
---|---|---|---|---|
Poço/nascente | Algum material solúvel presente nas camadas da rocha onde a água é retida | Baixo, pois a água foi filtrada através de estratos rochosos | Baixo, a menos que a água seja contaminada por águas da superfície, como em áreas construídas | Muito bom por longos períodos de tempo |
Superfície (Rio, lagos) | Baixo, a menos que contaminada por produtos químicos agrícolas colocados na terra por onde ela passa. | Alto devido à contaminação por terras agrícolas | Baixo, a menos que a água esteja contaminada por derramamentos ou vazamentos acidentais | Variável, principalmente em períodos de seca |
Sistema Público (Água encanada) | Depende do poço ou da fonte de superfície; pode conter anomalias se o suprimento for alternado | Baixo devido ao tratamento pela Autoridade de Água | Baixo devido ao tratamento pela Autoridade de Água | Muito bom devido às obrigações legais da Autoridade de Águas |
2- Pedra mole e pedra dura, tanto bate até que… quebra?
Pondo isso tudo na prática a água usada pela Laphroaig é ácida porque desce pelas montanhas de quartzo e pelas planícies turfadas e tem muito poucos minerais. Já a Bunnahabhain, que fica na mesma ilha, em contraste, traz sua água direto da nascente nas colinas, sem contato com a turfa dos campos, ela é rica em cálcio e magnésio. A Bowmore obtém suas águas do rio Laggan, que passa por mais de 16 km de calcário, dolomita e arenito cinza; A água de Kilchoman e Bruichladdich atravessa arenitos do Proterozóico Superior.
As Highlands contêm uma grande variedade de arenitos, argilitos e calcários, a maioria dos quais foram metamorfoseados ou derretidos para formar granitos entre 750 e 550 milhões de anos atrás, juntamente com áreas localizadas de quartzitos, tilitos, filitos e gabro. O rio Spey, que fornece água de processamento para mais da metade das destilarias da Escócia, nasce nas montanhas de granito Monadhliath, passando por mais de 120 km de quartzitos brancos e cinza, calcários e xistos.
Algumas pessoas acham que a geologia tem uma influência tão grande no whisky final que a classificação das regiões produtoras não deveria ser geográfica, mas geológica. Um desses entusiastas é Paul Shand que dedica seu tempo a tentar convencer o mundo do whisky a se esquecer de High e Low lands, Islay, Campbeltown e Speyside e abraçar as novas:

A proposta de Shand é interessante porque, além de realizar o sonho erótico de muitos nerds, ela levanta um segundo ponto que é o centro de discussão de muitos aficcionados: whisky tem terroir?
O conceito de terroir foi popularizado pela indústria vinícola francesa como forma de lidar com a crescente concorrência global dos vinhos.
A palavra em si não tem um equivalente em nenhuma língua, o que chega a ser legal, já que você tem que pronunciá-la em francês em conversas e isso pode te dar um ar mais cosmopolita. Mas ela não é carente apenas de tradução, mas de um significado preciso. Etimologicamente ela significa algo como “uma extensão de terra cultivada ou o conjunto das terras exploradas por uma comunidade rural”.
Na comunidade dos bebedores de suco de uva fermentado, terroir é usado para dizer que um vinho não apenas vem de determinada região mas que as características de tal região influenciam e se encontram em seu sabor. É como se, ao dar um gole no vinho, você estivesse dando um gole em uma pequena fazenda vinícola da França. Mas sobre que parte da pequena vinícola o terroir se refere? Às mais esotéricas: podem estar se referindo ao solo da fazendinha, ao tipo de uva, às técnicas de fabricação do vinho da fazenda, às pessoas que fabricam o vinho, ao clima… tudo junto ou separado.
Já na versão do destilado escocês, o terroir seria como os fatores geológicos e climáticos afetariam a água e como a água afetaria o whisky.
Se a resposta para a pergunta “a água influencia as características finais do whisky?” for “sim!”, então o whisky também teria seu terroir. Teoricamente, a influência do terroir em bebidas destiladas deveria ser mais pronunciada do que a do vinho, visto que o vinho é apenas o produto do suco de uva, enquanto as bebidas destiladas consistem predominantemente em água, muitas vezes extraída diretamente do solo – ou, ao menos, essa é a maneira humilde e “whiskeira” de se levantar a questão.
É por isso que nenhuma visita a uma destilaria está completa sem que o guia dedique parte do tempo da excursão a um discurso que geralmente segue as linhas de:
“Apenas a mais pura água de nascente é usada para a fabricação de nosso whisky, resultante do balanço atemporal das estações. A cruel neve do inverno nas montanhas acima da destilaria, derrete suavemente através da urze, argila e turfa até a rocha de granito abaixo. Muito, muito depois de as neves do inverno terem passado, esta água brota do solo, límpida, imaculada e ideal para a preparação de um bom whisky. Quando você toma um gole do nosso Glenqualquercoisa, você está saboreando toda essa paisagem que cerca a destilaria – seu próprio terroir, se posso emprestar um termo francês.”
Um discurso tão lindo que, quando finalmente chega o momento da degustação do whisky, você jura que está sentindo o sabor da água naquele copo de luz do sol líquida – isso, é claro, se a composição química e sensorial da água chegam a ter qualquer influência no whisky além de deixá-lo molhado.
Vamos rever alguns básicos sobre a produção para ver onde a água tem algum papel.
3- A jornada do grão
Existem duas categorias de água usados pelas destilarias e eles podem vir de lugares diferentes: água de produção – production water – e água de processamento – process water.
A água de processamento não entra em contato direto com o whisky, ela é usada como vapor nos alambiques para a destilação, nas serpentinas para resfriar e condensar a bebida e para qualquer outro processo mecânico da destilaria. Por não entrar na bebida ela não precisa ser uma água superstar, a Caol Ila, por exemplo, usa água do mar como água de processamento.
Já a água de produção é usada para fazer a cevada germinar, para se criar o mosto, para reduzir o abv antes de entrar no barril e novamente para diminuir o abv para entrar na garrafa e ser vendido.

A cevada para crescer necessita de água, mas são poucas as destilarias que plantam toda a cevada que usam, assim grande parte dessa matéria prima não é local.
Então os grãos são macerados por até 60 horas, durante este período a água será trocada e a cevada aerada várias vezes até que um teor de umidade adequado seja alcançado. A cevada é então germinada em pisos de malteação ou em sistemas pneumáticos, geralmente em caixas ou tambores. O Box Malting é o método mais popular para isso, onde ar saturado de umidade e com temperatura controlada é passado através dos grãos constantemente revirados até que ocorra a germinação.
O uso de água de maceração tem apenas como objetivo inchar os grãos, que como veremos serão secos em um forno, portanto, impactos de sabor mínimos são prováveis.
Este malte verde é transferido para um forno de secagem – o kiln. Depois da secagem o grão é resfriado e moído, a ideia é quebrar o grão mas manter a casca o mais intacta possível, para ajudar no momento de filtragem.
É hora do mosto. A cevada moída é colocada em um tambor cheio de água a aproximadamente 65ºC por até 1 hora, essa água é então enviada para o tambor de fermentação – o washback. O mosto então é aspergido com água a aproximadamente 70ºC e então novamente com água a 80ºC. Essa terceira água é usada junto com água nova a 65ºC para o próximo mosto. Essas temperaturas são usadas para tirar o máximo de açúcar sem danificar as enzimas que serão usadas na fermentação.
A composição química da água usada para fazer brassagem – para emprestar um termo da industria cervejeira – pode afetar o processo da fermentação. Os íons de cálcio têm a maior influência sobre a fermentação, melhorando a estabilidade das enzimas responsáveis pela quebra do amido em açúcares fermentáveis.
A água utilizada para malteação e para a maceração não recebe nenhum tratamento químico antes do uso e apenas uma pequena proporção das destilarias realiza qualquer tratamento físico na água de processo, principalmente por filtração básica ou decantação. Pouco mais da metade das destilarias usam água mole de maceração, com apenas uma dezena usando água fortemente mineralizada.

Vamos voltar ao processo de fabricação. O mosto é filtrado por um fundo perfurado e enviado para os tambores de fermentação onde a levedura é colocada – na proporção de 1% do volume de água – na primeira água, depois de um tempo a segunda água é acrescentada. A taxa de fermentação será afetada por uma série de fatores, entre eles a quantidade e qualidade de levedura usada, a temperatura, sólidos em suspensão no mosto e a pureza da água.
As causas de baixa fermentação geralmente são atribuídas ao excesso de bactérias no mosto, temperaturas incorretas ou o uso de malte com baixo poder diastático. Geralmente a fermentação leva de 36 a 48 horas – variando de destilaria para destilaria.
Pesquisas realizadas pela indústria cervejeira sugerem que as concentrações de íons na água afetam tanto a maceração quanto a fermentação, alterando a atividade da levedura, o pH, a floculação ou efeitos semelhantes. Mas a solubilidade de tais íons depende das condições de maceração, principalmente pH, com os íons frequentemente existentes ligados com proteínas, polifenóis e outras macromoléculas.
O mosto fermentado é bombeado para o primeiro alambique onde é fervido, fazendo os vapores de álcool subirem ao pescoço, pelo braço até os condensadores – geralmente entre 5 e 6 horas. Esse novo líquido – low wine – geralmente com 20 a 25% de álcool, vai para o segundo alambique, Spirit still, e o processo é repetido. É feita a separação de cabeça, coração e cauda e a parte separada é chamada de Espírito Novo – New Make Spirit. A cabeça e a cauda podem ser adicionadas ao primeiro alambique para serem destiladas com o próximo mosto fermentado. Essa segunda destilação leva entre 2 e 4 horas.
O espírito novo começa a sair com uma concentração de 75% de álcool, mas logo chega a um abv que varia entre 60% e 65%, ele então é reduzido novamente com água e colocado dentro do barril para maturar.
A água de redução usada antes de colocar o New Make Spirit em barris geralmente vem da mesma fonte da água de mosturação, embora, como apenas uma pequena quantidade seja necessária para reduzir a concentração de álcool de 70% para 65%, é provável que haja um pequeno impacto no sabor. Reduzir o espírito com água contendo altos níveis de sais minerais pode criar uma reação com o whisky para formar precipitados, portanto, a água desmineralizada é invariavelmente usada para redução antes do engarrafamento para garantir que não haja impactos no sabor, já que o engarrafamento raramente é realizado no local da produção.
Exceções notáveis a isso são a Springbank, Bruichladdich e Glenlivet. A Bruichladdich usa uma fonte de água turfosa para fazer o mosto, água de rio para resfriar o alambique e água de nascente “cristalina” para reduzir a bebida.
Anos atrás a via de regra era deixar a bebida pelo menos 8 anos maturando – cinco a mais do que o mínimo requerido para se considerado whisky – mas isso mudou. Dai talvez venha a crença, ou desinformação, que muita gente tem de que whiskies como o Red Label, Ballantines Finest e outros sem idade declarada terem 8 anos de maturação, nada mais longe da verdade, a maior parte dos blends e whiskies sem idade hoje não chegam a passar 5 ou 4 anos no barril.
Depois de seu descanso na madeira o whisky é retirado, pode receber ou não caramelo para conseguir um bronzeado atraente, geralmente é filtrado para clarificar e diluído novamente para atingir diferentes graduações – não caindo abaixo dos 40% – ou vendido para virar um blend.
4- Garçom, tem uma coisa boiando na minha água!
Vamos supor que esses minerais de fato contribuam para o sabor do whisky? Como poderíamos reconhecê-los?
Substância analizada | Características de sabor |
---|---|
Sulfato | Seco, adstringente, amargo |
Fosfato | Neutro |
Nitrato | Neutro |
Bicarbonato | Amargor forte, sabor mais doce, encorpado |
Cloreto | Encorpado, adocicado |
Cálcio | Neutro |
Sódio | Doce em baixas concentrações, salgado em altas concentrações |
Potássio | Bem neutro, com sugestões de salgado |
Magnésio | Amargo e azedo em concentrações superiores a 20 ml-1 |
Ferro* | Metálico, adstringente |
Zinco* | Neutro em baixas concentrações, off-flavors metálicos em altas concentrações |
E qual a quantidade desses elementos nas águas da Escócia?
Região | Na+ | Mg2+ | Ca2+ | Cl | SO4– | CO32- |
---|---|---|---|---|---|---|
Speyside | 7 | 3 | 2 | 12 | 3 | 2 |
Highland | 10 | 4 | 12 | 15 | 2 | 31 |
Islay | 13 | 5 | 23 | 20 | 6 | 54 |
Orkney | 30 | 14 | 50 | 47 | 19 | 187 |
Quantidades em mg L-1
Uma maneira de responder à pergunta do início do capítulo seria criando um whisky com água 100% sem minerais e outro com um feito com água do rio ou do burn ou do loch e comparar a química de ambas as bebidas. Outra seria beber as duas e ver se notamos alguma diferença.
Mas não apenas de minerais vive a água. Como vimos, se ela cai do céu, escorre por montes, forma rios ou lagos e segue seu caminho para o mar, ela entra em contato com o chão e com tudo o que tem no chão. Então as águas estão cheias de micro-organismos, matéria orgânica – viva e morta – alguns insetos, pedrinhas e tudo o que faria você jogar um cachorro-quente fora se o derrubasse antes da primeira mordida.

As concentrações de compostos orgânicos suas proporções são determinadas pela exposição à turfa e nível de decomposição (ou humificação – o processo de formação de substância húmica).
As classificações tradicionais de tipo de solo consideram “turfa” o solo que contém mais de 65% de matéria orgânica, sendo a turfa verdadeira composta de 100% de matéria orgânica, se bem que hoje em dia qualquer biomassa parcialmente decomposta, formada por um processo bioquímico sob a influência de microrganismos aeróbicos nas camadas superficiais dos depósitos durante os períodos de baixa umidade do subsolo pode ser chamada de turfa.
Hoje, 20% do território escocês é formado por turfa mas nem toda turfa é igual.

As turfeiras são ecossistemas de zonas úmidas que podem ser classificadas em dois tipos: pântanos elevados e pântanos de cobertura. A grande cúpula de turfeiras são encontradas em áreas de planície da Escócia conhecidas como pântanos elevados, nos antigos locais onde existiam pequenos Lochs criados durante os estágios finais da última era glacial, cerca de 10.000 anos atrás.
Ao longo de milhares de anos, a turfa é formada entre a base do pântano e a superfície viva, criando uma forma de cúpula. Esses pântanos contêm até 98% de água e apenas 2% de turfa sólida, enquanto os pântanos de cobertura contêm até 85% de água. Existem muito poucos pântanos elevados na Escócia.
Os pântanos de cobertura são encontrados em áreas de alta pluviosidade, como o norte e o oeste da Escócia, são mais jovens e mais rasos do que os pântanos elevados, mas podem cobrir grandes áreas. Esses pântanos são ombrófilos – cheios de plantas que curtem muita chuva – onde a alta pluviosidade, mais de 1 m por ano (1 metro, não milímetro), e o derretimento da neve elimina muitos dos nutrientes, principalmente cálcio, magnésio e potássio, que não estão disponíveis nas águas subterrâneas devido à presença de bases rochosas pobres, como o granito ou arenito.
Isso cria condições em que poucas plantas conseguem sobreviver, com o ecossistema sendo dominado por musgo de brejo (Sphagnum sp.), Capim-algodoeiro (Carex spp.), Capim-cervo (Trichophorum arizonicum), urze (Calluna vulgaris), volante (Hylocomium) e junco (Carex spp.). Como regra, a urze torna-se mais prevalente nas turfeiras do norte e leste da Escócia, com musgo dominando o sul e o oeste.
Camadas sucessivas de material vegetal morto se acumulam ao longo de milhares de anos, formando uma camada de turfa, um precursor da lignita e, por fim, carvão ou querogênio. Este é um processo extremamente lento, levando-se em média 1000 anos para se formar 1 metro de turfa.
Em um post futuro iremos nos aprofundar no maravilhoso mundo da turfa, mas agora é importante saber como ela é formada.
A turfa formadas em pântanos são anaeróbicas e muito ácida, por isso relativamente preservadas, com altas concentrações de cutina e muitos compostos inalterados de lignina e celulose. As turfeiras da Escócia são compostas principalmente por musgo esfagno, mas também incluem outra vegetação pantanosa, como árvores, gramíneas, urzes, juncos e fungos. Insetos decompostos e restos de animais também podem ser encontrados. As áreas de turfeiras que recebem maior suprimento de oxigênio, como as turfeiras florestais, experimentarão um grau muito mais alto de humificação.
Todo o processo de decomposição e transformação da paisagem nesse caldo delicioso poderia ser descrita minuciosamente em 15 páginas, mas para a alegria de todos pode ser dividido em um gráfico e uma tabela:

Todo esse processo, além de lama, gera muito carbono insaturado, e quando você liga um carbono insaturado a uma hidroxila (OH) você tem um fenol. Essas áreas de turfas são caldeirões de fenóis e fenóis, por terem em sua composição anéis benzênicos, formam núcleos aromáticos que criam sabores característicos:
Substâncias | Características de Sabor |
---|---|
o-cresol | Medicinal |
p-cresol | Fenólico, medicinal, enxofre, esgoto |
m-cresol | Fenólico, medicinal, defumado, borracha |
2-metoxi-4-metilfenol | Fenólico, doce e abaunilhado |
4-metilo guaiacol | Em altas concentrações fenólico, doce |
4-etilo guaiacol | Especiarias, fenólico, doce |
Guaiacol | Defumado, fenólico |
Fenol | Fenólico, medicinal |
4-etilo fenol | Medicinal, fenólico |
Os fenóis são compostos químicos semelhantes em química aos álcoois (embora não álcool) que tendem a ser altamente ácidos. Eles produzem uma variedade de sabores que variam de cravo e banana a sabores picantes, defumados e até mesmo sabores medicinais ou band-aid. Basicamente Islay é um fenol gigante que flutua!
E aqui chegamos a uma encruzilhada.
Eu não encontrei – ainda – nenhuma literatura científica ligando diretamente a matéria orgânica dissolvida com a qualidade e caráter final do destilado, embora geralmente se acredite que a água turfada possa ser responsável por um whisky de caráter mais complexo.
Mesmo a destilação sendo uma técnica de purificação, acredita-se que certos compostos podem passar para o novo espírito resultante. Alguns pesquisadores afirmam que apenas uma pequena proporção (na ordem de 4%) dos compostos fenólicos encontram seu caminho para o espírito final, portanto, os impactos diretos no sabor dos compostos orgânicos são considerados mínimos.
Alguns pesquisadores afirmam que a natureza da fonte de água afeta sim a qualidade do New Make Spirit e, eventualmente, do whisky maturado. Mas em que grau? Ninguém sabe!
A Chivas foi uma das marcas que, muito tempo atrás, resolveu botar essa dúvida em prática e em 1973 usaram uma série de whiskies feitos com água turfada artificialmente para criar o Glenisla e o Craigduff na destilaria de Glen Keith – até hoje a Chivas insiste que ele foi produzido na Strathisla. O resultado? Craigduff acumulou prêmios.
Como na década de 1970 single maltes ainda não estavam na moda, o Craigduff nunca foi lançado como um. Alguns anos atrás a Signatory encontrou alguns barris dessa belezinha e o lançou no mercado.

Além dos compostos provenientes da turfa, a água pode obter sabores ao passar por urzes, musgos, samambaias, gramíneas ou outra vegetação viva. Embora não esteja provado se isso afeta o caráter do espírito, alguns connoisseurs de whisky acreditam que isso contribui com características de verbais e de grama fresca, a urze sendo responsável pelas notas florais e de mel.
5- O resumo da Ópera
Tudo, absolutamente tudo, o que existe entre a água e a porta da destilaria, afeta o gosto, o sabor e o aroma da água.
Entrando pela porta da destilaria a água afeta o mosto e a fermentação. Mas qualquer coisa que ela tenha sobrevive a destilação dupla?
Bem, alguém levou a ideia de produzir litros e litros de whisky em laboratório usando diferentes águas para ver se o resultado final de cada um seria único.
Foi-se criado um método para a produção em escala de laboratório de New Make Spirits com o mesmo caráter sensorial do produzido em destilarias conhecidas e de renome. Então fizeram o mosto e fermentação com diferentes tipos de água e a compararam com um New Make Spirit “neutro”.
Resultado 1:
Quando se usaram águas de Speyside e das ilhas, o NMS tinha características mais “pesadas”. Os produzidos com água das Highlands e Lowlands produziram um destilado mais leve e doce.
A turfa teve resultados muito baixos no destilado novo, o que leva a crer que sua presença no whisky se deve à secagem em fornos onde se impregna na cevada e não à água vir de um lamaçal tétrico.
Resultado2:
A análise química do headspace desses espíritos – o headspace é uma técnica de análise para a determinação de compostos voláteis. – destacou diferenças significativas nos níveis de compostos voláteis presentes – não disse? – com ésteres etílicos e álcoois superiores encontrados em maior abundância. A análise do headspace de compostos contendo enxofre no espírito mostrou variações entre as amostras, embora isso não se correlacionasse com pontuações para enxofre e atributos de carne na análise sensorial.
O headspace é uma técnica de análise amplamente utilizada e de adequada sensibilidade para a determinação de compostos voláteis.
Resultado 3:
Uma série de destilados foi produzida a partir de águas com conteúdo iônico semelhantes ao de diferentes destilarias. Poucas variações foram encontradas na produção de etanol ou assimilação de açúcares pela levedura durante a fermentação. A produção dos principais congêneres com sabor ativo pela levedura não foi afetada pelas variações no perfil iônico das águas de mosturação, embora a presença de ferro e zinco tenha tido um efeito inibitório na produção de congêneres específicos.
Foi observada uma variação limitada no caráter sensorial dos destilados produzidos, nenhuma qualidade distintiva aparentemente tendo sua origem no conteúdo iônico da água. Destilados produzidos a partir de mostos criados com água contendo ferro e zinco possuem características menos doces, oleosas e que lembravam solvente em comparação com os produzidos a partir de agua desionizada.
Nenhum padrão discernível foi observado entre as amostras da análise de compostos orgânicos voláteis no Headspace. Além disso, havia pouca correlação entre o conteúdo iônico das águas de processo e a concentração de íons no álcool, o que implicava que a cevada maltada era a principal fonte de íons, em vez da água de processo.
Resultado 4:
Uma série de destilados foi produzida a partir de águas contendo concentrações de substâncias húmicas e carbono orgânico dissolvido nos mesmos níveis dos de várias destilarias.
Amostras adicionais foram produzidas contendo compostos derivados de turfa e conteúdo iônico representativo para avaliar a influência da complexação de íons para matéria orgânica na água de processo.
As reações de complexação são aquelas em que se formam complexos. Se utilizam de agentes, em geral, orgânicos que se coordenam com um íon metálico através de dois ou mais átomos doadores.
O crescimento da levedura e a subsequente produção de etanol durante a fermentação foram estimulados em amostras feitas de águas suplementadas com turfa de Islay, enquanto aquelas feitas de águas com alto nível de carbono orgânico dissolvido mostraram crescimento de levedura reduzido.
A assimilação dos açúcares do mosto pela levedura variou entre as amostras, embora não em níveis que influenciassem o desempenho da levedura. A produção de éster por levedura foi aumentada em amostras feitas de águas suplementadas com turfa, especialmente aquelas com teor de carbono orgânico dissolvido artificialmente alto, enquanto a maior produção de álcool foi reduzida em amostras feitas de águas turfadas.
A proporção relativa de espécies orgânicas pareceu ter pouco efeito sobre a produção de congêneros pela levedura.
A análise sensorial de amostras de álcool feito de águas suplementadas com turfa mostrou alguma variação, com os destilados feitos de águas contendo turfa das Highlands possuindo um caráter mais pesado e complexo do que aqueles feitos de águas suplementadas com turfa de Islay.
Altos níveis de carbono orgânico dissolvido na água do mosto também aumentaram a presença de atributos mais pesados nos destilados.
6- O resumo do resumo da ópera
Por mais que os resultados digam que a influência é mínima ou sutil ela está lá. A água influencia de fato o sabor e características do New Make Spirit antes dele ir para o barril.
Mesmo que a cevada venha de outras regiões e mesmo seja defumada em outros lugares, no momento em que entra em contato com a água da destilaria a alquimia começa. Esses sabores podem ser potencializados ou mesmo neutralizados pelo barril, mas o whisky destilado deve parte de sua personalidade à água sim.
Isso significa terroir? Bem, não sou eu dizendo que sim, é apenas toda a tradição desenvolvida e aprimorada por pessoas como Descartes, Newton, Einstein e outros, que ajudou a moldar nossa realidade e nossas vidas. O que chamam por ai de ciência.
E sim… a água usada para diluir o whisky quando você o degusta também tem sua influência. Várias destilarias começaram a engarrafar amostras das próprias águas – apenas tratadas para serem mais agradáveis para o paladar e a saúde – para você poder reduzir o abv de seu whisky com águas tendo todas as características químicas de onde eles vieram, mas por hora vamos deixar essa água e suas interações químicas de fora.